29 outubro 2006

usa & abusa - parte I

Desta vez espero passar da parte I - ao menos, já separei algum material para isso. Colocarei algumas matéria e entrevistas sobre democracia e EUA.
Abaixo segue um pequeno trecho da entrevista que a revista trip, edição nº 149, fez com os Beastie Boys.

TRIP: Vocês democratizam o trabalho, imagino sua resposta, mas acha que vivemos numa época democrática?
Mike: Supostamente. Interessante que estava falando com um amigo que voltou há pouco da China sobre a economia deles e como Xangai é grande. E eu disse: “Parece legal, é basicamente capitalismo, mas não é estranho que não tenham democracia?”. E ele respondeu: “E qual a diferença para o que temos aqui nos EUA?”. É um pouco verdade. Temos capitalismo, então temos liberdade dessa maneira. Mas temos um governo que representa os interesses das grandes corporações e das pessoas mais ricas, não o que o povo quer ou pensa. E temos uma ilusão de que a China é uma tirania e que lá é diferente.

02 outubro 2006

Esqueci...

... das eleições. Era para ter mandado este texto por e-mail, mas, agora, já era. 

Pelé é o maior patrimônio vivo do Brasil. Talvez em toda a historia brasileira ninguém tenha conseguido demonstrar de forma mais universal o gênio nacional. Por isso, choca ouvir o símbolo de nosso êxito afirmar que tem vergonha do seu país. Ao dizer isso, ele mostrou o sentimento de envergonhada indignação diante da pobreza, da violência, da corrupção na vida brasileira, especialmente entre os políticos e os que conduzem os destinos do pais. Maior ainda é a vergonha de perceber que Pelé, envergonhado como está com os destinos do Brasil, provavelmente votará, outra vez, escolhendo os mesmos que fazem o Brasil que o envergonha. Porque a elite brasileira prefere viver na vergonha a arriscar a perda dos seus privilégios.

Não é apenas ele. Em um de seus programas recentes, a grande apresentadora Hebe Camargo disse que, se fosse colocar os nomes dos corruptos um sobre o outro, a altura do auditório do SBT não seria suficiente.Ela falava lembrando o caso especifico de São Paulo, onde sempre votou nos que agora a envergonham. E aos quais certamente vai preferir, para não votar em nomes que representem um novo do qual ela tem medo.

A elite brasileira está descontente com o Brasil, mas nas eleições prefere que ele continue como está, a mudar ameaçando qualquer dos seus interesses e privilégios.

Quando a elite brasileira declarou a independência, preferiu manter um imperador, filho do rei da metrópole, para não correr o risco de um presidencialismo que poderia escolher algum plebeu, "antes que algum aventureiro lançasse mão". Quando libertou os escravos, não lhes deu terras, nem lhes permitiu freqüentar escolas, com medo de um Brasil onde os negros tivessem força. Proclamou uma republica, dizendo "façamos a revolução, antes que o povo a faça". Não deixou que ela fosse construída por meio da educação universal e de qualidade dos filhos do povo. Fez uma república aristocrática, com doutores e excelências no lugar dos condes e barões. Fez um desenvolvimento sem distribuir o resultado. E cada vez que alguma liderança propunha mudança de rumo, a elite envergonhada com a pobreza ao redor não tinha vergonha de dar um golpe militar para que a pobreza não fosse eliminada às custas de qualquer dos seus privilégios.

Em 1989, ofereceu-se a possibilidade de arriscar um presidente com proposta alternativa, mas a elite preferiu não arriscar. Não aceitou o risco de eleger um operário que nenhuma culpa tinha com o passado que envergonha. Preferiu um dos seus, apesar do passado de envolvimento nas vergonhas nacionais. Arrependeu-se envergonhada, mas quatro anos depois repetiu o voto nos mesmos partidos e políticos, ao redor de Fernando Henrique Cardoso, que há décadas constróem a vergonha que ela diz sentir.

Eles mudaram o nome do candidato, para nada mais mudar. Agora, como Pelé, a elite manifesta indignação, vergonha, mas certamente vai repetir o voto. Votará naqueles de quem diz ter vergonha. Isso até poderia ser justificado, se as opções em vista representassem revoluções radicais. Mas todas são moderadas. Propõe-se construir um pais decente, com uma democracia republicana, que respeite o povo, onde os direitos a justiça, a segurança e a uma parte digna do produto nacional sejam assegurados a todos. Um país com escola para todas as crianças, sistema de saúde assegurado a todas as famílias, todo adulto com direito a um emprego.

Isso exige mudança de postura, inversão nas prioridades, eliminação de privilégios cada dia mais difíceis de manter. Em troca, oferece o orgulho de viver em um pais decente. Todos querem isso. Mas Pelé e o resto da elite não vão correr qualquer risco. Vão votar em um deles, que não represente mudanças. E daqui a anos voltarão a dizer que sentem vergonha.

Sinto um profundo orgulho de meu país, de um povo que é capaz de suportar tanto sofrimento, sem desesperar, de um país que tem um Pelé; mas sinto vergonha da vergonha que a elite diz sentir, e até sente, preferindo nela continuar, por medo de perder qualquer um de seus privilégios. Sinto vergonha de quem sente vergonha mas nada faz para eliminar as causas de sua vergonha.

Cristovam Buarque (http://www.almacarioca.com.br/cro67.htm)