29 janeiro 2010

Verão, calor e falta de trabalho

Sei que fiz forfait semana passada e que isso não tem desculpa. Mas...

A vida de um freelancer, nobres colegas, é a eterna espera. Sendo assim, o negócio é aguardar que o ano comece depois que passar o carnaval. O tempo se prolonga e você manda 15 e-mails diários procurando trabalho, espera mais uma semana e neca. Então ficamos nessa: pensa na vida, varre a casa, faz um café, tira o pó dos livros, vai na esquina e bebe uma cerveja, faz um mate, limpa o chão etc. O piso tá brilhando, mas a falta do que fazer nos deixa com a pulga atrás da orelha, limpa de novo. O calor é senegalês, e o lado bom desse momento limpeza é que estamos sempre ao redor d’água. Como dizem: ao faxinar a casa, lavamos a alma. Isso é necessário de tempos em tempos, tão necessário quanto um banho de mar, um exercício físico, uma higiene mental ou o trabalho e o ócio que nos cercam. No momento correto, pensar faz bem. Alguns podem questionar: “pensar sempre faz bem, cara! Deixa de ser burro!” O buraco é mais embaixo, “mermão”. Quando trabalhamos sem descanso, não pensamos. Estamos sempre naquele estado de reação imediata aos estímulos externos: o treinador joga a bola e o cachorro corre e pega. Compreenda: você é o cachorro. Esperar e pensar são momentos que devem ser apreciados e estimados com o devido respeito.

Mesmo depois de tantos devaneios é necessário continuar a procura por trabalho, como o diria o meu irmão é “a filosofia do Silvio Santos: quem procura acha!”. Mas cansa e dá nos nervos, ainda assim continuamos. Vamos em frente.

13 janeiro 2010

O bar família

Às vezes, a única coisa que queremos num bar é sossego. Você chega, pega sua cerveja e vai para o seu canto, pode até bater um papo com o pessoal que está lá, mas tudo é muito tranquilo e calmo. Não se quer burburinho ou aquela coisa de ver e ser visto, aliás, a última coisa que se quer em certos momentos é ser visto. Por quê? Não precisa de motivo, você só quer beber sua cerveja e ficar em paz.
Frequento um bar que é perfeito para dias como esses: Bar e Mercearia Taylor ( rua Taylor, 36 térreo). Conheci o estabelecimento faz uns quatro ou cinco anos, quando subia para casa. Passava por ali e olhava o jeito do lugar: as três portas de correr, os azulejos, o pé-direito alto, o grande balcão em U (o lado esquerdo de quem entra é bar e o direito, mercearia), o espaço de circulação, o pessoal vendo jornal ou novela na TV do bar e a rua pacata. Numa tarde de verão, entrei e pedi uma cerveja. Fiquei na minha, olhando a paisagem árida do centro da cidade. Puxei uma conversa com quem estava ali, o pessoal conversou, um pouco ressabiado, pois nunca tinha me visto. Mas o tempo foi passando e eu parava ali uma, duas ou até três vezes por semana, e fui conhecendo as pessoas. Aquele pedaço de rua se resume a uns poucos edifícios (dos grandes), os clientes em sua maioria moram ali há muitos anos. Por todos se conhecerem, o ambiente é quase de vila. Como em todo bar, é possível se conversar sobre quase qualquer assunto: política, economia, informática, o que vier o pessoal traça. Volta e meia, tem um ou outro que fala mais alto, mas é ocasional, e jamais vi um bate-boca ou uma briga. O bar é uma extensão da casa daquela gente. É um bar família no melhor sentido que essa palavra pode ter.
O dono é o Paulo Cezar, o PC, 46 anos, casado duas vezes, dois filhos, que comprou o estabelecimento há 17 anos. Trabalhando sozinho e neurótico com limpeza, cuida do lugar como se fosse a própria casa; o balcão e o piso estão sempre brilhando. Pensando bem, aquilo é a casa dele, passa mais tempo ali que no aconchego do lar. Por ter morado na Lapa quase toda vida, conhece todos os clientes pelo nome e tem muita história para contar, outro dia ele me disse que viu o Madame Satã quando era pequeno: “Era um senhor negro, velhinho e magro, mas todo mundo sabia quem era. Ele era amigo de uma senhora que era dona dessa casa aqui de baixo. Minha avó me mostrava, com discrição: Olha lá o Madame Satã.” Todo mundo tem conta lá, mesmo que nunca tenha colocado nem um copo d’água no pendura: “Até você também tem, só que não usa. Olha o seu nome aqui na prancheta”. E tava lá o meu nome, sem nenhum valor escrito ao lado.
Embora o PC não beba ou fume nem jamais tenha tocado em qualquer droga, ele é chocólatra e sedentário confesso, o que lhe rendeu uma hipertensão. De vez em quando se sente mal, com dor de cabeça e estressado, a turma toda fica preocupada. Diversas vezes cheguei lá e ele não estava. “Ué, cada o cara?”, pergunto. E a resposta que vem de trás do balcão é invariavelmente a mesma “Teve que dar uma saidinha para ver uns negócios ali embaixo, mas o que você quer? Cerveja? Qual?”. O PC deixa o bar aos cuidados de quem estiver por ali, em geral, é uma pessoa de confiança. Até eu já fiquei atrás daquele balcão uma vez.
Lá não há acepipes, escondidinhos ou coisas pops desse gênero, mas batatinhas fritas industrializadas, tremoços, salame, queijo prato etc. Quem quer ir num bar para comer as tão faladas “comidas de boteco” da moda, na verdade, quer ir a um restaurante. E esse não é o caso. Mas o curioso no Taylor é que as guloseimas que têm mais saída são o bolo de chocolate e o pudim de leite condensado (feitos em casa); lembrem que o PC é viciado em doce. Com relação às bebidas: a cerveja é gelada e o preço, normal; e ainda têm aquelas cachaças comuns e outras coisas para fazer um rabo de galo ou coisa parecida. Lendo esse texto, o observador desavisado pode pensar: qual é o grande atrativo desse lugar? E a resposta é simples: calma, tranquilidade, cadeira na calçada e cerveja.

07 janeiro 2010

O Rio é roquenrol?

"Sofremos com essa ideia de cidade do carnaval, com o papo de que aqui o negócio é samba e chorinho... Não aguento ouvir que a Lapa é do samba. Lá tem o Circo Voador!" As palavras acima são do Bacalhau, baterista da banda Autoramas, e foram publicadas na edição digital d’O Globo (4/01/2010) quando da divulgação do DVD/CD Autoramas Desplugado. Além disso, segundo o jornal, o baterista “arrisca um misto de falta de interesse de público, de casas adequadas e de uma política pública voltada para o rock”.
Concordo em parte com o Bacalhau, a Lapa e o Rio já foram mais rock, mas também já foram mais reggae, mais samba, mais chorinho, mais MPB, mais lambada... a lista pode ir ao infinito se pensarmos em todos os modismos que já imperaram por aqui. E, segundo me consta, a Lapa é um dos berços do samba no Brasil, e este gênero merece seu lugar reservado em qualquer recanto que tenha uma aparelhagem de som e pretenda tocar... samba. No entanto, fiz umas perguntas para o Celão, grande alvinegro e baterista dos Inimigos do Rei, que mandou uma boa resposta sobre modismos e mercado “... o mercado fonográfico (que não existe mais, e ninguém sabe o que vai acontecer) fazia o marketing de cada verão um estilo!”. Acredito que isso também é verdade. O modismo mais recente é o samba! E já dura alguns verões. Por favor, sem preconceitos e hipocrisias, minha intenção não é ofender ninguém, simplesmente acho isso. Acredito que a falta de interesse por parte do público é devido ao modismo. Mas a Lapa, conforme todos gostam de alardear, é eclética e democrática, ainda é possível encontrar lugares nos quais ouvir, dançar, pular ou fazer o que lhe der na veneta ao som de rock: a festa Se a moda pega, promovida pela banda Canastra no bar (casa de show, restaurante ou sei lá o quê) Estrela da Lapa (Mem de Sá, 69) já está em seu segundo ano. De acordo com o Jornal do Brasil a festa é regada a rockabilly, dixieland, surf music e jovem guarda e rola toda quinta. (Curioso como os desde os Raimundos, pelo que vejo, os roqueiros ressuscitaram a jovem guarda, que foi visto desde a época do programa de TV como coisa de alienados e cópia mal feita de música de gringo).
A questão de casas adequadas para o rock acho que pode dar o que falar, mas passei na Banca do Blues (esquina de av. Rio Branco com Pres. Wilson) e perguntei sobre os shows que aconteciam ali. O Paulo, dono do estabelecimento, produziu diversos shows, ali mesmo na esquina, que foram um sucesso (eu mesmo fui a alguns). Como ele mesmo diz: “era show mesmo, não era rodinha de violão, não”. O espaço era aberto aos novos talentos, mas não deixava de ter gente consagrada (exemplos são Big Gilson, Claudio Bedran e Pedro Strasser, todos do Bleus Etílicos; Jefferson Gonçalves, do extinto Baseado em Blues; e Big Joe Manfra), e ainda por cima esses músicos se apresentavam de graça. O show era do jeito que o carioca gosta: de graça e em espaço aberto. Conversa vai, conversa vem e ele me disse que o subprefeito do Centro revogou a autorização para a realização do evento no começo do ano passado. Segundo a Subprefeitura, os motivos da suspensão da autorização foram “Aglomeração de pessoas na esquina, que causaria transtornos aos pedestres. A falta de banheiros químicos. Venda de bebidas alcoólicas na banca”. Engraçado, como pode um evento que começa sexta-feira às 21h, no centro da cidade, atrapalhar os pedestres. Segundo o Paulo, o problema foi mesmo com os vizinhos, nada de pancadaria, bate-boca ou coisa do tipo, mas tinha gente que não gostava daquela bagunça organizada. Sem problemas, o cara parou, pensou, e o negócio é o seguinte: o evento vai voltar com o mesmo nome, Banca do Blues, mas será na Vintage Music, loja de instrumentos musicais (rua Visc. do Rio Branco, 37, esq com Gomes Freire), ou seja Lapa. O primeiro show vai ser dia 16/01/10. Será que existe um local mais adequado para um show de música do que uma loja que vive de música? (Vide Modern Sound.) O engraçado do assunto é que o Paulo diz que o negócio é dedicado ao blues, quando cheguei lá ele tava vendo um DVD do Steve Ray Vaughan tocando Love Struck Babe, que na minha modesta opinião é um rock do caralho.
Já a questão de política pública voltada para o rock... acho que isso não rola, não. Só se os roqueiros do Rio se unirem. Quando digo roqueiro, digo os amantes do gênero, músicos e organizadores de eventos. Mesmo assim, vai ser bem difícil... só espero morder minha língua sobre a questão.